É, suponho que é em mim, como um dos
representantes do nós, que devo procurar por que (...) durmo e falsamente me salvo.
Nós, os sonsos essenciais.
Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa, que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados. Se eu não for sonsa, minha casa estremece. Eu devo ter esquecido que embaixo da casa está o terreno, o chão onde nova casa poderia ser erguida. Enquanto isso dormimos e falsamente nos salvamos.
(...) e eu sei que não nos salvaremos enquanto
nosso erro não nos for precioso. Meu erro é o meu espelho (...). Meu erro é o
modo como vi a vida se abrir na sua carne e me espantei, e vi a matéria de
vida, placenta e sangue, a lama viva.
(...) e um evita o olhar do outro para não
corrermos o risco de nos entendermos. Para que a casa não estremeça.
E continuo a morar na casa fraca. Essa casa,
cuja porta protetora eu tranco tão bem, essa casa não resistirá à primeira
ventania que fará voar pelos ares uma porta trancada. Mas ela está de pé,
(...) enquanto eu tive calma.
(...) o que sustenta as paredes de minha casa é
a certeza de que sempre me justificarei, meus amigos não me justificarão, mas
meus inimigos que são os meus cúmplices, esses me cumprimentarão; o que me
sustenta é saber que sempre fabricarei um deus à imagem do que eu precisar para
dormir tranquila e que outros furtivamente fingirão que estamos todos certos e
que nada há a fazer.
Tudo isso, sim, pois somos os sonsos
essenciais, baluartes de alguma coisa. E sobretudo procurar não entender.
Porque quem entende desorganiza. Há alguma
coisa em nós que desorganizaria tudo — uma coisa que entende. Essa coisa que fica muda diante do
homem sem o gorro e sem os sapatos, e para tê-los ele roubou e matou; e fica
muda diante do São Jorge de ouro e diamantes. Feito doidos, nós o conhecemos, a
esse homem morto onde a grama de radium se incendiara. Mas só feito doidos, e
não como sonsos, o conhecemos. É como doido que entro pela vida que tantas vezes
não tem porta, e como doido compreendo o que é perigoso compreender, e só como
doido é que sinto o amor profundo, aquele que se confirma quando vejo que o
radium se irradiará de qualquer modo, se não for pela confiança, pela esperança
e pelo amor, então miseravelmente pela doente coragem de destruição.
O mineirinho, de Clarice
Lispector.
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